O lugar de Camila Soato

O lugar de Camila Soato

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Camila Soato passou a infância em Planaltina de Goiás e a adolescência em Sobradinho. Agora está fazendo todo o caminho de volta. Depois de quatro, cinco anos na cidade de São Paulo, tocando carreira de pintora e a vida acadêmica, Camila voltou ao Distrito Federal em dezembro.

Ela comprou um terreno em Planaltina de Goiás, perto da Lagoa Feia, rumo de Alto Paraíso. Enquanto levanta sua futura casa com as próprias mãos, batendo estaca por estaca, Camila está morando na Quadra 2 de Sobradinho.

Alugou esta pequena casa térrea para viver com a companheira Gabriela e a filha dela, Iara, de três anos de idade, enquanto a outra não estiver pronta. Trouxeram as duas cachorras, Salsa e Tigresa. Aqui Camila tem continuado seu trabalho como pintora – e está aprendendo uma nova linguagem em sua carreira profissional, a escultura.

Camila tem muito o que contar, portanto, aos visitantes que aqui chegarem para a segunda edição do projeto BSB Plano das Artes, dias 30 e 31 de maio, 1 e 2 de junho. Na quinta-feira, a casa está aberta entre 15h e 19h. Na sexta, das 10h às 18h. No sábado, das 10h às 14h. No domingo, das 10h às 18h.

Quem chegar no domingo, encontrará Camila com lenha queimando e carne no fogo para um churrasco. Com a mangueira do tanque ligada a um regador, a ducha também estará pronta.

Testando a ducha e abrindo uma cerveja, nesta tarde de terça-feira, Camila tira uma horinha para falar sobre sua produção artística mais recente. A conversa acaba passando também por um tanto de sua vida pessoal. Que vida e arte andam juntas. 

Ela conta que soube do terreno em Planaltina de Goiás graças a um toque do primo. A mãe mora aqui em Sobradinho, o tio e os primos, em Planaltina de Goiás. “Consegui esse pedaço de terra, então troquei o carro, dei mais uma grana, uma mesa de sinuca, essas coisas”, ela ri. “Eu estava procurando um espacinho já tinha um tempo, porque estou com muito trabalho espalhado, trabalho estragando. Tenho trabalho na minha antiga casa de São Paulo, tenho trabalho na casa de minha mãe, até no canil da casa dela. Em São Paulo, não dá para você alugar uma casa gigantesca, só se você for artista-herdeiro. E tem as cachorras. Então tinha de ser casa grande, com quintal.”

Camila mostra, num pedacinho de papel azul, os esboços da casa que ela já tem todinha pronta em sua cabeça. A ideia inicial era mudar para lá agora em julho, mas admite que será difícil manter o prazo. Porque Camila está construindo sozinha. Toda semana vai até lá e trabalha até o sol se pôr.

Camila vem se interessando pela ideia de bioconstrução já tem um tempo, pesquisando tutoriais em vídeos do YouTube. Como levantar uma casa com arquitetura sustentável, diminuindo o impacto da construção. “Desenhei uma planta, tenho um caderninho com os rabiscos. A ideia é aproveitar os materiais da região numa estrutura de pau a pique, com terra, pedra e madeira, com toras de eucalipto, que não é tão ecológico assim mas é uma madeira que se planta muito ali.”

Camila conta que descobriu a serventia do YouTube para fins de construção civil – e de reformas residenciais – quando vivia em São Paulo. Morava numa casinha geminada de uma vila no bairro de Pinheiros, perto da praça Benedito Calixto. 

“Foi uma sorte ter encontrado aquela casa, porque lá tudo é muito caro. Mas o dono aceitou um aluguel mais baixo desde que eu fizesse algumas melhorias.” Camila trocou telha, mais de uma vez. Trocou também toda a fiação. “Tinha dado pipoco, fiquei sem luz uma semana. Eu e mais dois amigos encontramos um tutorial do YouTube. Tem que puxar fio, passar vaselina, puxar mais um pouco do outro lado da parede. Foi um trampo maluco, mas rolou. Não tomei choque e aprendi para caramba.”

Camila tem conversado com o amigo Fábio Baroli. Os dois foram colegas no Instituto de Artes da Universidade de Brasília, meados da década de 2000, tiveram até uma banda juntos, Gilbertos Come Bacon. Baroli, há alguns anos, voltou para Uberaba, Minas Gerais. Sua pintura ganhou novo gás, no retorno à terra natal, o artista reencontrando os parentes, os amigos de infância. Camila diz sentir que algo semelhante acontece com ela.

“A pintura já está saindo desse processo. Começaram a voltar para mim as minhas brincadeiras de infância, caçar pipa. Como era essa relação de estar da rua com os moleques, aquela coisa de ‘menina, sai do meio desses moleques’, ‘não vai machucar o joelho’, ‘veste uma calça’, ‘vem logo pra dentro de casa’, todas essas imposições. Isso tem vindo nas pinturas mesclado às imagens com que trabalho hoje, imagens do meu corpo, o meu lugar como artista na sociedade atual. Imagens da Camila adulta, pintora, lésbica, enfrentando opressões e condicionamentos. Como aquela Camila que brincava com os meninos na rua.”

E a terra vermelha, a terra que ela escava em Planaltina de Goiás, para assentar a casa que constrói, também se revelou material mui rico poeticamente.

“Esse processo todo descambou nas esculturas. Já pensava em fazer esculturas tem um tempo, mas me faltava saber que material usar”, explica Camila, agora com essa questão já resolvida. 

Sobre uma mesinha de madeira, no canto do ateliê, está a descansar uma recente escultura de barro vermelho ainda fresco. Em iguais medidas, a peça parece ser absolutamente nova e também muito familiar para quem acompanha a carreira de Camila Soato. Dois cachorrinhos cruzando. 

Cachorrinhos já foram pintados por Camila Soato nesta e em outras tantas posições. Desta feita, eles ganham volume, massa, três dimensões. Os corpos dos bichos sendo barro aglomerado em torno de um esqueleto, uma trama feita de arame. Se a casa de Camila será de pau a pique, estas esculturas então são do que ela tem chamado de arame a pique.

A cor foi o que a atraiu para este barro goiano. Quando percebeu essa peculiaridade do material, Camila estava em plena função, trabalhando no seu terreno. Soube imediatamente que não poderia desperdiçar o material, trouxe sacos de terra aqui para Sobradinho. Misturou com areia de rio, a mesma areia que vem usando para sua bioconstrução. E um tanto de bosta de vaca.

Porque Camila se lembrou de uma conversa que teve numa residência artística em São José do Barreiro, interior de São Paulo. “Conheci a Dona Cida, cozinheira da residência. Cozinheira, médica, cientista, tudo assim. Ela tem um conhecimento absurdo de todos os elementos da região. Ela me disse que construía os brinquedos da infância dela com terra e bosta de vaca. Eu disse: ‘mas, nossa, por que bosta de vaca?’ Ela explicou: ‘bosta de vaca é melhor do que cimento. Dá para passar carro por cima’.”

Pesquisando sobre bioconstrução, em tutoriais no YouTube, Camila Soato confirmou. Dona Cida estava correta. Dá para passar carro por cima. Bosta de vaca.

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